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domingo, 5 de janeiro de 2014

Deixei de fumar quando decidi não deixar de fumar

Fumei dos 15 aos 28 anos. Deixei oficialmente de fumar no início de 1980, ano em que nasceu o meu primeiro filho, mas não sei ao certo em que dia isso aconteceu. Já saberemos porquê.

Comecei a fumar talvez no quinto ano do Liceu, em Bragança, comprando cigarros avulso na mercearia da Avenida do Sabor. Primeiro sem filtro, Definitivos e Provisórios, depois com mais dinheiro, regularmente com filtro, Porto e SG. Sempre avulso, normalmente dois cigarros (era o mínimo) de cada vez, excepto quando caia do céu uma notita de 20 escudos...e dividia um maço com o meu primo Manuel António.

Eventualmente pela irregularidade deste prazer ser resultante do meu igualmente irregular cash-flow, nunca cheguei a ter um vício muito arreigado. Era quando havia p'ra tabaco e viva o velho! Cravar não me era de todo confortável pela incapacidade sentida de, em tempo razoável, saldar a dívida ao cravado. Mesmo quando já financeiramente saudável, um maço dava-me para dois três dias.

Andava já na faculdade quando as primeiras comunicações científicas estabeleciam correlações inequívocas entre a incidência de cancro e o tabagismo. Respondi a estas notícias de imediato e decidi pela primeira vez assumidamente deixar de fumar. Nada de pastilhas nem pensos de nicotina, nada dessas "mariquices" me serviriam de ajuda: seria de um dia para o outro. E pronto, assim foi. A abstinência durou pouco mais de uma semana...  Ou porque o grupo de amigos não ajudou, ou porque me fazia "falta" para estudar, ou porque “um cigarro só não faz mal”, lentamente recomecei a fumar.

A segunda tentativa foi mais duradoura que a primeira. A paragem foi também repentina e igualmente influenciada por uma consciencialização dos danos que me fazia a mim próprio. Lembro-me de se me repetir incontrolável como um eco aquela frase muito forte que um dia me acordou a consciência "Quem fuma não pensa e quem pensa não fuma!" Como isto fazia sentido! Havia que parar e pronto, ponto final.

Sofri. Tão racional era a decisão de parar de fumar como a de continuar fumador, desde que tomadas com toda a informação e conhecimento disponível nesse momento. Racionais sim, mas não necessariamente igualmente acertadas. Mas, assumido o risco, era uma questão de relação custo-benefício. Morre-se de tudo e por vezes por coisas de nada! Também é preciso haver algum prazer na vida! Ao fim de um mês de luta decidi continuar a gozar o prazer de fumar!

Continuava com o meu maço de dois em dois dias quando fui chamado para a tropa. Em Lamego, para as  "Operações Especiais", vulgarmente chamados Rangers! A Recruta passá-la-ia no Aquartelamento de Penude, pequena povoação situada encosta acima, a uns 5km a sul de Lamego, onde o conforto das instalações era pouco mais que mínimo.

Os seis meses de Recruta foram duros mas deram-me uma forma física como nunca me lembrava de ter tido. Já Aspirante a Oficial tinha o meu quarto na Messe de Oficiais e gozava agora de algum conforto e tempo livre que não tivera enquanto Cadete. Reparei que o meu perfil de fumador era algo estranho, irregular ao longo da semana. Um maço à 2ª feira, dois durante a semana até sexta ao fim da tarde quando apanhava o comboio para vir passar o fim-de-semana a casa, durante o qual praticamente não fumava.  Este regime, num vício, não fazia para mim grande sentido.

Este foi o primeiro sintoma de que a minha dependência da nicotina tinha uma grande componente psicológica, eventualmente maior que a componente física. Igualmente interessante/revelador foi constatar que o acto de puxar por um cigarro era desencadeado muitas vezes por simpatia, porque alguém ao meu lado o fazia. À mesa do café numa roda de colegas depois de almoço, a seguir ao café era essencial saborear um cigarro. Constatei algumas vezes que se alguém que chegasse mais tarde puxasse de um cigarro, eu fazia o mesmo num gesto automático,  mesmo se tivesse acabado de fumar um. Havia portanto cigarros que eu fumava, não porque estivesse carente de nicotina, mas apenas para fazer companhia. E isto para mim não fazia sentido algum.

Verifiquei também que quando estava a fumar a minha pulsação cardíaca aumentava. Tínhamos nessa altura uma maior sensibilidade para este assunto da pulsação cardíaca pois fazíamos semanalmente o teste de Cooper.  Sabia que em repouso a minha pulsação era cerca de 50 batidas por minuto. Para saber exactamente o efeito do cigarro uma tarde enquanto descansava no meu quarto fui medindo a variação da pulsação enquanto fumava. Durante as primeiras duas passas nenhum efeito foi detectável mas a partir da terceira já havia aumento de batimento cardíaco que ao fim de pouco tempo chegou às 88 pulsações por minuto. Concluí que o meu coração acelerava, não para repor o consumo de oxigénio nos músculos, mas apenas para compensar com maior fluxo a baixa de teor em oxigénio que o meu sangue tinha enquanto fumava. Este esforço para mim não fazia sentido algum.

Estas constatações levaram-me ao seguinte raciocínio e tomar a seguinte decisão:
- Se o fumar me fazia mal, e se eu fumava por vezes sem disso ter real necessidade física, então deveria pensar cada cigarro que metesse à boca. Ou esse cigarro me iria dar efectivo prazer ou voltava para o maço. Fumar por fumar ou por simpatia ou para aliviar do que quer que fosse, tinha que acabar.  Mas todo o cigarro que me desse prazer, fumaria.

E nos primeiros dias verifiquei que dos 10 a 12 cigarros habituais já só fumava 7 ou 8. Não foi tanto como tinha pensado que iria ser mas já fora um progresso. Mantive a disciplina da minha decisão bem efectiva e ao fim de um mês já me ficava em média pelos 6 cigarros por dia. Isto era basicamente metade do que fumava antes e já me dei por satisfeito por ter valido a pena. Pena que não era nenhuma pois continuava a fumar os cigarros que me davam real prazer. Tinha era deixado de fumar os cigarros estúpidos, sem razão de ser…

Mantive obviamente a decisão. A estatística do meu consumo pouco variou nos meses seguintes mas pelo sexto mês do regime reparei que havia dias em que só fumava 3 cigarros, isto é, só fumava os cigarros a seguir ao café.  Pensei  que deveria ser esse o meu mínimo dos mínimos, pois esses cigarros sabiam-me pela vida. Eram por assim dizer “sagrados”.

Durante o meio ano seguinte os dias de 3 cigarros foram aumentando e convenci-me de que tinha atingido de facto o meu nível óptimo de fumador consciente. Três cigarros não faziam nem bem nem mal e cada um deles me dava grande prazer.

Até que, ou porque um dia tomava menos cafés, ou porque ficava sem cigarros em casa e não me apetecia sair para ir comprar, ou porque estava a chover e não saía para fumar (a Guida estava grávida portanto em casa não), etc, etc, nesses dias não fumava 3 mas apenas dois ou mesmo só um cigarro.


O nada aconteceu naturalmente, quase sem dar por nada.

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